quarta-feira, junho 24, 2009

Navio no meio da Esplanada?

Nesta curiosa foto surge uma figura estranha: um navio em plena Esplanada do Castelo.

Consta que a construção deveu-se a um certo Cordão dos Laranjas, e serviu para acolher foliões em bailes de carnaval.

Nesta foto, de 1936, que abrange grande parte da esplanada surgida com o desmonte do Morro do Castelo, é possível identificar pontos, tanto os ainda hoje existentes, como uns poucos desaparecidos.

A partir do canto inferior direito da foto: parte do telhado do Paço, na época prédio dos Correios; ao lado, a cúpula do Palácio Tiradentes e, adiante, as torres da Igreja de São José.

É de se ressaltar que, à época, no edifício do Paço estava instalado o Departamento de Correios e Telégrafos que havia construído um prédio no pátio interno, demolido quando da restauração do Paço.

Nos fundos do Palácio Tiradentes, a Rua Dom Manoel com parte do atual Anexo da ALERJ e, mais à esquerda, o prédio da Marinha (onde hoje está o Museu Naval) seguido do que abriga a Procuradoria do Estado e, o maior e mais à esquerda, a Biblioteca do Tribunal de Justiça.

Vê-se claramente, como prolongamento da Rua Primeiro de Março, o traçado da larga avenida que homenagearia Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, Presidente do Estado de Minas Gerais (1926-1930), ornada de árvores.

Mal se distingue as torres da Igreja de Sta Luzia na esquina da Av. Pres. Antonio Carlos com a Rua de Santa Luzia. A Av Presidente Wilson quase não aparece, mas o edifício da Esso, próximo à Av. Rio Branco, destaca-se, praticamente isolado.

Há um trecho da Rua México bem visível nos fundos da Biblioteca Nacional e do Edifício do atual Museu de Belas Artes. A Avenida Rio Branco está encoberta, mas os prédios da cinelândia são bem visíveis devido ao espaço ocupado pela Praça Floriano que se adivinha à frente da Biblioteca.

Da Av. Graça Aranha há apenas o traçado, mas a Av. Calógeras se percebe, embora oculta pelos prédios.

O antigo edifício da Associação Cristã de Moços, objeto de post de 11fev2009, e um dos primeiros a ocupar a esplanada, está logo além do curioso navio cenográfico.

Mais além, é possivel distinguir a Praça Paris, com pequena parte ocultada pela cúpula do já desaparecido Palácio Monroe.



quarta-feira, junho 17, 2009

Auto Socorro Urubu



Desde os anos 1950, e por cerca de 30 anos, Isaias da Silva, apelidado Urubu, fez ponto em frente ao Bar Igrejinha, na Rua Francisco Otaviano, perto da esquina da Av. Copacabana, pronto a prestar socorro mecânico aos cariocas, fosse de dia, fosse à noite.

Seu carro-guincho, apelidado de Soneca, um veículo adaptado, velho e cheio de mazelas, precisava de muita água para o motor não fundir; e estava, há anos, a pedir pneus novos e uma demão de pintura.

Era facilmente reconhecido quando ia em socorro de algum motorista em apuros, e, com um aceno, respondia a saudação de motoristas e pedestres. Na boléia, o vira-latas Pega-Firme, seu fiel companheiro. O cão, originalmente branco, já era cinza devido à graxa e sujeira acumuladas.

O trio Urubu, Pega-Firme e Soneca era popular no bairro. Atendia a chamados feitos ao telefone do Bar Igrejinha e, não raro, se via Urubu, ora ocupado em reparos de emergência na rua, fosse em Fuscas, Impalas ou Cadillacs, ora rebocando carros batidos ou necessitados de maiores cuidados, ,

Isaias “Urubu” da Silva aprendeu mecânica servindo ao Exército. Desmobilizado, foi motorista de lotação, trabalhou em oficinas, mas se realizou, de fato, no serviço por conta própria com o carro-reboque. Sua tabela de preços era variável, dependia da cara do freguês, mas sempre razoável.

Figura folclórica da Zona Sul, Urubu permanece na memória daqueles que o conheceram, ou dele precisaram em horas difíceis.

Na foto do carro-reboque na Av.Atlântica, pode-se ver Pega-Firme em seu posto, na janela do motorista.




quarta-feira, junho 10, 2009

O Bonde (parte 2 de 2)

(continuação)

Um trambulhão do bonde atira as moças uma por cima da outra. Uma senhora velhusca, que dormitava no banco fronteiro, accorda, alarmada. Um velho, que lia um jornal, resmunga alguma coisa que não se ouve. O bonde pára e ouve-se o vôar de uma mosca evadida do açougue proximo. Um homem que apparenta 40 annos, com as mãos cheias de embrulhos, queixa-se da carestia da vida ao visinho, que nunca o vira mas que, decerto conhecia, tambem, a carestia.

- Não sei onde vamos parar com o preço de tudo. O pobre ja não pode, pois nem a casa tem garantida. E os impostos? Cada vez augmentam mais. Imagine que tenho mulher e quatro filhas, e mais a sogra, tia da minha Genoveva. Tenho um pequeno atacado de CRUP. É um inferno!...

E olhou, silenciosamente, para um gato morto que a Limpeza Pública tinha esquecido á porta de uma casa velha. O outro concordou, com um gesto, e fez, tambem, uma cara de soffrimento.

- Ó idiota! Não vê que «tem» uma senhora subindo?

O «idiota» é o motorneiro, que ia dando marcha no carro depois da violenta parada. Trava, de novo, o vehiculo, e o conductor começa a discutir com o homenzinho que reclamou por conta da senhora que ia soffrendo um choque e suas consequencias traumaticas. O homenzinho, que quer conquistar as sympathias do bonde em peso, ameaça dar pancada no conductor. A dama que escapou de cair abana-se, muito vermelha, com uma cara de casa de commodos e de tyrana domestica. O caixeiro, que tem um corpo de Hercules de circo, approxima-se do banco em que está o cavalheiro salvador, enquanto os passageiros se voltam, farejando um escandalo e uma briga. Trocam-se desaforos pesados e, afinal, um soldado de polícia que assistia, displicente, á scena, resolve intervir em nome da Lei. E a Lei apaga os odios nascentes...

- Toca o bonde!

- Espera, homem! Pára o bonde!

É um senhor, que brande no ar um bengalão de junco e que tem, para carregar no vehiculo, a mulher, outra mulhar, e cinco filhos menores. Os passageiros fazem gestos, irritados, de impaciencia, e o conductor berra do alto da plataforma, com uma voz de commando:

- Não ha lugar!

Uma sensação de alivio invade a população ambulante. O motorneiro pisa na campainha, reclamando o sinal de partida. E duas pancadas vibram, afinal, puxadas pelo cordão sujo que a mão do conductor manobra. O bonde arranca, num grande esforço de rodas de aço, e um turbilhão de poeira se alevanta envolvendo tudo num banho secco de calor e de sujo... E o sol cae como uma immensa cataplasma de fogo na face das cousas queimando, calcinando, e arrancando pulverisações de ouro na pedra sórdida das ruas...

[ilustrações: J.Carlos (1884-1950)]

-o0o-


quarta-feira, junho 03, 2009

O Bonde (parte1 de 2)


Transcrição da crônica de Herilo Neves na Revista CARETA de 14jan1928. (Parte 1). É de se observar a grafia da época.

O BONDE

(Scenas da vida carioca)

O bonde rola, ruidosamente, por sobre os trilhos asperos, mal engraxados como as botas dos homens pobres. Uma nuvem de poeira acompanha o vehiculo, tornando mais sujo e mais triste o conductor, que a todo momento enfia os olhos pelos bancos, farejando rapazes relapsos, mocinhas distrahidas, gordas senhoras sonolentas.

- Faz favor!

E agita no ar um punhado de nickeis, cujo tinido tem por fim acordar as consciencias esquecidas do tostão da passagem. O sol envolve tudo num amplexo de fogo e, no ar, partículas doiradas parecem faúlhas de um incendio enorme. Ha um cansaço immenso em todas as cousas, e a propria terra parece abrir-se num infinito bocejo de tedio. Outros bondes passam em sentido contrario, com um grande rumos de velhos ferros que se chocam. Carroças ferem, com suas rodas de aço, a face rude dos paralellepípedos. Á porta das casas commerciaes empregados em manga de camisas abanam-se com ventarolas de RECLAME e apregôam roupas brancas para senhoras,sapatos a 20$ o par. Um garoto, que pulou para a plataforma do bonde, offerece a sorte grande, que ninguem quer, e faz caretas ao caixeiro do vehículo que ameaça dar-lhe meia duzia de ponta-pés. Como as casas, succedem-se as pessoas, na rua. Uns vão muito apressados, enxugando o suor com uns lenços cheios de manchas de pó. Outros detêm-se, ao passeio,dicutindo negocios, segredando conquistas, invectivando o tempo e o verão inclemente. Odôres succedem-se assignalando ás pituitarias humidas a pharmacia, o estábulo, a venda de galinhas e de fructas. E o bonde rola, por entre pragas do motorneiro que faz tilintar a campainha de aviso, e reclamações dos passageiros que têm pressa em voltar ao trabalho.

- Como é? O bonde sae ou não sae?

- Vae largar! Larga!

Um homenzenho nervoso, com a cara marcada de bexigas, levanta-se para ver o que está detendo a marcha do vehiculo. Foi uma carroça que se atravessou na linha. O carroceiro, entre palavrões, fustiga os míseros burros esgottados; o motorneiro bate, com impaciencia, a campainha do vehiculo, e pescoços curiosos se alongam para fora do bonde inquirindo, escutando, animando a marcha do carro. Os burros, num último esforço, fazem a carroça saltar do trilho. Uma ultima praga e o primeiro arranco do bonde.

No bando da frente, duas collegiaes, vestidas de azul e branco, conversam com animação infantil. Cochichos e sorrisos rapidos se cruzam e se succedem vertiginosamente.

- Vaes á aula, amanhã?

- Eu? Não. Vou dansar hoje na casa da tia Maricota.

- Ha festa, lá?

- E então! Tia Maricota faz annos de casamento. E o Carlito vae...

(continua no próximo post.)